O
leitor mais atento (e não precisa ser muito) percebe que esta secção de Kaya, a
que denominamos “Voragens”, sugestão do amigo Dércio Braúna, é dedicada a
resenhas de livros, embora seu sentido não seja propriamente o da resenha acadêmica,
o que comportaria todo um rigor. Tratamos, aqui, bem mais das livres impressões
que temos, com simplicidade e sem mais delongas. Ao leitor, ficam sugeridas as
leituras que realizamos, nós, os editores de Kaya.
E
eu não poderia, nesta edição, deixar de comentar, um pouco que fosse, sobre Nilto
Maciel, que faleceu em maio de 2014. Vamos a dois de seus últimos livros: Como me tornei imortal, crônicas
publicadas pelo Armazém da Cultura (2013) e sua autobiografia sui gêneris, Quintal dos dias (Bestiário, 2013). Um outro livro, Sôbolas manhãs, dele falarei em meu blog Arcanos Grávidos – poesia &
outras águas. Mesmo que seja muito singela, esta fica sendo uma homenagem que
presto a um camarada, escritor de muito afinco, alguém que dedicou a vida a
esta tão difícil arte, a de escrever, ainda mais num país como o Brasil, onde
os obstáculos são tantos.
COMO ME TORNEI IMORTAL
Como me tornei imortal (armazém da Cultura, 2013) |
Trata-se
de um volume de quase 150 páginas, onde o autor discorre, com liberdade,
fluência e bom humor, sobre diversos escritores/poetas, amigos conseguidos ao
longo do tempo. E não se imagine, por isso, um livro chato, como se fosse uma
espécie de catálogo, mas, sim, recheado de histórias, detalhes até pessoais,
embora não indiscretos. Como lhe era comum, há um ritmo rápido no discorrer
sobre os fatos, mas sem a sensação de pressa. Literatura e vida, na abordagem
de Nilto, formam uma costura que nos ajuda a ter um percurso sobre a produção
e, ao menos um pouco, sobre quem são as figuras de quem ele fala, a começar por
um breve relato de si mesmo e de sua introdução no mundo na literatura. Para
não ter de citar todos os escritores e/ou poetas, elenco apenas alguns nomes:
Moreira Campos; Francisco Carvalho; José Alcides Pinto; Pedro Salgueiro; Tércia
Montenegro; Manuel Bulcão; Gilmar de Carvalho... E basta, pois que, aí, já há
sugestão suficiente para a curiosidade do leitor realmente interessado. Sobre o
porquê do título do livro ser este, é detalhe curioso, logo ao início, mas que
não contarei, pois desejo ao futuro leitor a surpresa de o saber por si mesmo.
Sobretudo, como em tudo o que de Nilto Maciel já li, destaco a paixão e a tenacidade
presentes também neste livro e, em especial, o que, sem dúvida, do alto de sua
dedicação à literatura e não apenas à sua literatura, ele fez, ao escolher
historiar, digamos assim, esses outros todos, muitos (a maioria?) que não
constam dos catálogos das grandes editoras brasileiras. Esta é a amorosa
justiça feita em nome do amor à literatura e do zelo à amizade, mas sem entrar
em rapapés de compadres, já que o autor não era disso. Aos que têm interesse
específico (estudo e pesquisa), este livro é também muito recomendável, pois
fornece um mosaico bem montado, apesar de não ser muito volumoso. Por fim,
destaco a justiça que podemos (e devemos) fazer para com um brasileiro
escritor que já não mais está (fisicamente) entre nós e que, por isso mesmo, já
nos faz muita falta. Ler seus livros, sendo esta a maneira melhor de ainda
tê-lo por perto, é o que nos resta. E que assim seja.
Serviço:
Como me tornei imortal
Nilto
Maciel
Armazém
da Cultura
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QUINTAL DOS DIAS
Quintal dos dias (Editora Bestiário, 2013) |
Para
quem deseja melhor conhecer o autor da obra e a maneira como trabalhou sua
escrita, além de sua visão de mundo e, tal ao exposto em Como me tornei imortal, este Quintal
dos dias será, com efeito, uma leitura muito prazerosa, tanto pela boa
memória do autor quanto por detalhes curiosos acerca de fatos que não teríamos
como saber se não fossem livros assim. Sobretudo, este livro não é um relato
meramente cronológico, embora o percurso de tempo seja seguido. São relatos
cheios de vida e imaginação, sem perder o bom senso. Em 196 páginas, uma
síntese daquilo que Nilto foi, a inseparabilidade entre vida efetiva e
literatura, as duas se interpenetrando. E não imaginemos um relato
“sentimentalóide-saudosista”, que isto não é. O que encontramos é, também,
mesmo que de modo muito pessoal (íntimo, como não deixaria de ser), uma leitura
de como a escrita, o mundo dos livros e seus amantes, a literatura, enfim, tudo
isso atravessou a vida do autor, sendo ele mesmo um que reuniu, durante sua
estada entre nós, muitos artesãos desta lida, gente que se dedicou e continua
se dedicando ao ofício e ao amor à leitura e à escrita. Autobiografia, pois,
para falar de si e de seu percurso, talvez ninguém melhor que o próprio Nilto
Maciel. O que gostei, em especial, foi o tom de conversa, amigável conversa que
o leitor encontra do início ao fim. Aqui e ali, imagens, reproduções de fotos
do arquivo pessoal do autor. Uma, muito comovente, já no início: Nilto ainda
bebê, oito meses de idade, sentado numa cadeira, olhar atento e, suponho,
calmo.
Quintal dos dias
Nilto
Maciel
Editora
Bestiário
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# LEIA TAMBÉM:
Webston Moura é o editor dos blog Arcanos Grávidos, além de co-editor de Kaya [revista de atitudes literárias]. Cearense de Morada Nova, mora em Russas desde 1988. Por formação, é Tecnólogo de Frutos Tropicais. Poeta, é autor de Encontros Imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Com o poema "A pronúncia da minha língua pela tua flor" e o conto "A vida carpida entre os dentes" participou da revista PARA MAMÍFEROS (Fortaleza, Nº 3, Ano 3, 2011). Com o poema "Enquanto o muçambê delira a meus olhos" participou da Revista do Instituto Cultural do Oeste Potiguar - ICOP (Nº 16, setembro de 2012). Teve ainda poema publicado no projeto Trânsito de Leituras. Aprecia teatro, desenho, boa música, além de questões ligadas a temas como meio ambiente, sustentabilidade, dentre outros. Colaborou tecnicamente com o blog Literatura sem fronteiras.