quinta-feira, 25 de abril de 2013

CADERNO DE VOO [Kaya nº I - abril/2013]





Eis aqui uma nascença: a de Kaya. Esta casa-lugar de escambo de sentires, de benfajezas contaminações, de poéticas escrituras, de fecundo emaranhar de pensamentos. Casa-lugar de voragens, de pensatempos, de iluminuras. Casa-lugar de escrevência (que é mais que o mero ato de escrever; antes, é uma escrita emaranhada no tempo, carregada de sentir).

Neste número primeiro, Kaya se dá ao mundo trazendo em suas linhas a poesia de seus construtores: o cântico contundente de Dércio Braúna, o delicadear do olhar de Kelson Oliveira, a urdidura imagética de Webston Moura. Junto a elas, a dos que, tão gentilmente, a estão a habitar: a "marinhagem sertaneja" de Clauder Arcanjo, a cartografia sentimental de David de Medeiros Leite, o iluminado e misto código de Paulo de Tarso Correia de Melo, o laborado talhe de Pedro Du Bois.

Do prosear sobre o mundo, habitam esta Kaya: memórias e olhares de Nilto Maciel, redemoinhos de estórias de Pedro Salgueiro, delicadas travessias de Clauder Arcanjo. Ainda a palimpsesta e costurada escritura de Dércio Braúna.

São ainda linhas da arquitetura deste número primeiro de Kaya: voragens sobre as escrevências de Nilto Maciel, Dino Buzzatti e W. J. Solha (por Webston Moura), de Adrienne Rich e Pepetela (por Dércio Braúna). Também um pensar sobre o ato com consequências que é escrever, a partir do pensamento de Toni Morrison e Wole Soyinka (por Dércio Braúna); um testemunho "poético-acadêmico" sobre o Véi Manoel de Barros (por Kelson Oliveira); um artigo sobre a importância da poesia, da literatura e das artes, em geral., nas  escolas (por Webston Moura).

iluminurar esta casa-lugar e suas escrevências, dependura-se a suas paredes a poética do olhar de Ana Flávia Junqueira e Rafael Crisóstomo.

Eis o Caderno de voo deste alçar-se primeiro por este mundo-grande.

Bem-vindos todos que o sigam!

Os Editores.


TROPEÇO (Clauder Arcanjo)


Toy train - Alan Levine


“Tropeço no sol da manhã
e mergulhou no azul do outono.”
Poema “Azul”, de Helana Kolody




À luz do dia, algazarra de passarinhos. Lá fora, os dois benjamins, do alto da sua secularidade, vigiavam a passagem dos primeiros tropeiros. O café com pão na mesa, os olhos entreabertos e remelentos, ainda com saudade da rede no quarto.

— Você precisa ir ao Mercado, Cecé. Traga um quilo de arroz, um de feijão, e veja se, com o que restar, compra alguns ossos para o pirão do almoço.

O pequeno garoto abriu a mão, amassou a nota velha, que sabia guardada no fundo da lata de goiabada, na cristaleira da sala. A mãe fazia milagres com a divisão do minguado cobre.

Engoliu o último naco de pão, antes molhando-o na borra do fundo da xícara sem asas. E correu, num desembestar, para a pedra da feira.

Um amontoado de gente rivalizava com os pardais e os bichos. Meteu o corpo magro por entre a multidão, e descobriu, no meio de todos, a novidade. Um cigano alto e conversador, com seus panos e brincos dourados, a oferecer uma porção de mercadorias. Tudo reluzente e colorido, diferente dos potes, lamparinas e chitas mercadejados pelos bodegueiros de Licânia. Acocorou-se ao canto, e pôs-se a beber a novidade, em goles curiosos. A única e suada cédula entre os dedos apertados.

Quando o trenzinho de lata surgiu na mão do homem-cigano, girando, majestoso, nos dedos repletos de anéis, Alcebíades ficou de queixo caído. Esqueceu a encomenda do almoço, e perguntou pelo preço. O cigano, de olhos claros, aproximou-se e, quase num cochicho, declarou:

— Como ainda é quase Natal, meu filho, a preciosa prenda, coisa das estranjas, fica pra você por apenas dez pratas. Pra você, que eu já fui menino.

Alcebíades conferiu a quantia, era exatamente a nota que levava. O cigano, macio, recolheu o dinheiro, e pôs o brinquedo no colo do garoto.

Cecé olhou para o alto, e deu com o céu ainda mais azul. Correu para casa, aos pinotes, quase mudo de tanta emoção. Era-lhe tão grande a felicidade, que se esqueceu do último degrau, o mais alto, na entrada da casa (artefato criado pelo pai para conter a enchente do Acaraú), perdendo o equilíbrio: esparramando-se de cara, peito e trenzinho no chão batido da saleta. Ao se levantar, deu com os olhos solares da dona Marcolina, sua mãe. Esta nem precisou lhe perguntar pelas compras: o azul de outono presente nas pupilas do filho, apesar de lavado pelas lágrimas, já lhe dizia tudo.



* Leia também KAYA

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Antonio Clauder Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido em Santana do Acaraú-CE, aos 3 de março de 1963, é engenheiro, professor, contista, poeta, cronista, resenhista literário e colaborador de sites, revistas e jornais de várias partes do País. A reunião de contos, intitulada Licânia, marcou a sua estreia em 2007. Lápis nas veias(minicontos) foi a segunda obra, lançada em 2009. Novenário de espinhos é o seu primeiro livro de poemas. O autor tem obras inéditas nos gêneros: crônica (Uma garça no asfalto), romance e resenhas literárias.

KAYA (Clauder Arcanjo)


Cerradura - Tamorlan


Falaram-me, tempos depois, que o seu nome de batismo era José João da Silva. Apesar de ninguém nunca tê-lo chamado por tal nome.

Vagava, havia anos, pelas ruas da província, como um zumbi. De cor negra, metia-se por debaixo das sombras das tamarineiras da Avenida São João, quando do sol mais abrasador; comia o resto das sobras das casas, catando, como um bicho, as sacolas de lixo. Disputando, às vezes com desvantagem, com porcos e cachorros.

Curioso, dei para acompanhá-lo de longe. “Não dê cabimento a doido, rapaz!”

Causava-me curiosidade o seu jeito. Apesar dos sinais evidentes de abandono, trazia nos olhos uma espécie de mansidão. Jamais fora flagrado com qualquer ato de violência, ou de mínima fúria. Se alguém lhe interrompia os passos, quer fosse gente ou bicho, mudava o rumo, e sumia.

Em época de festividades — Natal, Carnaval ou novenas da padroeira —, desaparecia. Enfiava-se na direção do Serrote da Rola, e só voltava de lá tempos depois.

O interessante é que não fedia como os outros mendigos e loucos da rua. A roupa desbotada e surrada estava quase sempre limpa. Fim de tarde, constatei, mergulhava nas águas da Pedra da Luzia, a lavar-se com os nacos de sabão abandonados pelas lavadeiras do rio.

Tomei coragem e, certo dia, aproximei-me. Era quase noite. Quando me viu chegar, saiu da água, a vestir suas vestes, ainda ensaboadas, às pressas.

— Não, não vá! Amigo.

Baixou o rosto, e voltou-se para mim, lentamente.

— Tudo bem. Não vá. Amigo.

De repente, um silêncio entre nós. Notei que, em seu olhar, havia um quê de dor. Deixei que o tempo nos aproximasse. Como havia, onde me encontrava, um pedaço considerável de sabão de pedra, apanhei-o e fiz menção de lhe dar.

De início, recuou. Assustado, olhando sempre ao redor, com receio de surpresa.

— Amigo. Amigo.

Sentei junto a ele, e apontei para o rio, como a lhe dizer: lave-se, termine de se lavar. E assim o fez, entrando nas águas sem tirar os olhos de mim.

Notei que era meticuloso no seu banho. Com modos até de fidalguia. Com o passar dos minutos, relaxou e até deu umas braçadas na parte mais funda do Acaraú.

Saiu, deixando as vestes penduradas na cerca vizinha. Contudo, não ficara de todo nu, portava uma ceroula.

Hora depois, constatando que tudo já estava enxuto, vestiu-se e saiu.

Na tarde seguinte, lá voltei. Notei-o agora mais relaxado. “Amigo, amigo!”

E assim tudo se repetiu, por mais de uma semana. Certa tarde, tirei também a minha roupa e caí na água. Desajeitado, e sem saber nadar muito bem, vi-me carregado pelo remanso da Pedra da Luzia, a engolir água e a bater os braços, quase em desespero. Senti, então, uns braços rijos a me conduzirem para a parte mais rasa; quando tomei pé, recobrei a cor.

— Obrigado, amigo!

Um quê de riso estava estampado em sua face. Rimos juntos, caudalosamente.

Na saída, voltei-me e peguei na sua mão direita, num gesto rápido, sem dar tempo de ele fugir do meu aperto de mão.

— Amigo.

De certa forma, ficamos amigos. Nosso encontro, ao final da tarde, na discrição da Pedra da Luzia, fez-nos próximos. Não havia palavra, como se a presença de cada um por si só nos bastasse.

Nos festejos da Independência, o pároco, diretor do ginásio municipal, resolvera prestar uma homenagem aos “bravos navegadores de além-mar”. Montou uma caravela na cabeceira do rio, uma surpresa para todos.

Na manhã do feriado nacional, os alunos perfilaram-se próximo à Igreja Matriz, todos voltados para o rio. Quando a nau assomou, frente à Pedra da Luzia, com suas velas infladas pelo vento, ouvimos uma voz em supremo desespero:

— Kaya! Kaya!...

Era o meu amigo, a correr em direção à caravela da Independência.

Subiu na embarcação, e quis pilotá-la rumo ao continente africano, a vituperar aos quatro ventos:

— Kaya! Kaya!...

Foi recolhido ao manicômio.

Ao visitá-lo, na ficha, junto ao leito, o novo “nome”: Kaya.



* Leia também PRETENSÃO
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Antonio Clauder Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido em Santana do Acaraú-CE, aos 3 de março de 1963, é engenheiro, professor, contista, poeta, cronista, resenhista literário e colaborador de sites, revistas e jornais de várias partes do País. A reunião de contos, intitulada Licânia, marcou a sua estreia em 2007. Lápis nas veias(minicontos) foi a segunda obra, lançada em 2009. Novenário de espinhos é o seu primeiro livro de poemas. O autor tem obras inéditas nos gêneros: crônica (Uma garça no asfalto), romance e resenhas literárias.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

NO VERDE SECRETO DE SEU FRENESI (Webston Moura)


Guava Flower - Adityamadhav83


Sim, esta flor insinua um fruto que virá,
uma goiaba que agora não há senão como luz
represada na maquinaria obscura de um germe.

É o futuro anunciado.

Moscas virão tentar lhe roubar a vida.
Mas ela, ao que parece,
fala seu enorme código de flor, sem medo:
ousa o amanhã com desmesurada alegria.

Esta flor é única
e canta sua singularidade, sua graça
                                       antes de morrer,
sem chorar.




* Leia também O DESERTO DOS TÁRTAROS
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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

O DESERTO DOS TÁRTAROS (Webston Moura)

O Deserto dos Tártaros (Dino Buzzatti)
O famoso jornal Le Monde, ao fazer a lista dos cem melhores livros do século XX, não deixou de incluir O Deserto dos Tártaros, romance do italiano Dino Buzatti, livro cujo título me ficou preso à memória até o dia em que lhe pude ler e me encantar com a estranheza da vida no misterioso Forte Bastiani.

Seu personagem central é Giovanni Drogo, um jovem e recém-formado militar do Exército, que se vê, de repente, na missão de cumprir alguns anos numa remota fortificação de fronteira, entre montanhas, onde, inevitavelmente, acomoda-se na espera por inimigos misteriosos que nunca chegam. Junto disso, alimenta, secretamente, desejos pessoais de crescimento que se desvanecem ante a rotina do forte, como se comum fosse a vida se passar assim como um sopro despercebido.

A maneira delicada como o autor nos conta essa história nos mostra como a “maldição” da rotina é um veneno normal e sutil. Drogo e seus pares não são pegos por algo que os consome numa luta feroz, mas, sim, de modo tranqüilo, dia a dia, como se nada mais fosse possível senão viver à espera da morte.

Mas ninguém imagine um texto pobre em assunto, tampouco em forma. Os momentos são muitos e a poética do trato é objetiva e sensível, dialogando acerca do que seja o destino dos que lutam a vida inteira contra o nada.

SERVIÇO:
O Deserto dos Tártaros (romance)
Dino Buzzatti
Editora Nova Fronteira



* Leia também POESIA, LITERATURA, ARTES - UM INVESTIMENTO NO HUMANISMO
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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.

POESIA, LITERATURA, ARTES - UM INVESTIMENTO NO HUMANISMO (Webston Moura)


Desde muito cedo, o incentivo à leitura deve ser feito para que a pessoa construa uma prática (uma experiência) que lhe possa ser base e caminho para toda a vida. Não basta aprender a ler e a escrever! É preciso mais. Embora muitos, por mais que haja incentivo, jamais venham a se tornar leitores, nosso cotidiano, na família e na escola, não pode prescindir de livros, revistas e afins, tampouco do universo paralelo à leitura, que é o universo próprio da curiosidade, das conversas inteligentes, do desejo de conhecer que cada pessoa pode alimentar e, assim, modificar para melhor sua própria vida e a vida da sociedade.

Nesse ínterim, vale ressaltar que a leitura apenas informativa, de conteúdo mais jornalístico e/ou científico, é apenas uma variedade de leitura, rica e interessante, mas que não substitui nem supera a palavra poética e a literatura. Portanto, necessário é perceber que, por mais que o mundo tenha mudado, não podemos descartar o humanismo que nos é possível nestas artes sobre as quais nosso olhar (nosso coração) deve se demorar um tanto mais. Aliás, em si, a leitura de poemas, contos, romances e outras modalidades, constrói em cada um de nós um saudável sentido de espera, de demora, de vivência não-agoniada, algo fundamental para a nossa alma crescer de modo melhor.
Plat à décor aquatique, dynastie Qing,
période Kangxi (1662-1722), fin du 17ème siècle.
Musée Guimet, Paris (Créditos da imagem: Vassil)


Penso que melhor será à construção de um hábito e de um gosto pela leitura de poesia e de literatura, se as crianças tiverem na escola uma educação artística integral: música; dança; artes plásticas; teatro; audiovisual; etc. Sabemos que as artes refinam o espírito e lhe podem dar portas que o conhecimento técnico não há de dar. A pretensão maior dessa ideia não é fazer das pessoas artistas com futuro, público e fama, mas fazer-lhes cidadãs melhores, mais centradas, mais conhecedoras de seus sentimentos, de suas emoções e de um imenso arcabouço histórico de tradições as mais diversas.

O ensino de música nas escolas já é lei desde 2008 e não há restrições legais no sentido de impedir o ensino de outras artes. Claro, tudo isso demanda estrutura, verbas, planejamento, profissionais suficientemente aptos, etc. E para quem considera perda de tempo, vale a pergunta: perder, por exemplo, para o tráfico de crack é melhor?

Entretanto, mesmo que consideremos acerto um maior incentivo à leitura e à vivência em diferentes artes, isso não basta. Toda essa questão carece de ir para a pauta dos governos, especialmente dos prefeitos e de seus (suas) secretários (as) de educação e de cultura. Não podemos, como em outras questões, esta resvale para a vala das picuinhas entre os diferentes grupos políticos que lutam mais por hegemonia política que pelo desenvolvimento social, cultural e econômico reais da população.




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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.


O OURO RÚTILO DOS CÍRCULOS SIBILINOS (Webston Moura)


Fort de Roppe – Thomas Bresson

Chove na madrugada, e é abril.
As águas escorrem rio adentro,
onde,  entre clorofenóis, pneus e plástico,
peixes e anfíbios sofrem esperanças.

É viral a vida
(e sua antítese).

Chove na madrugada,
e um pulsar verde-jade respira sob a capa aquosa.

Fecho os olhos e escuto Madeleine Peyroux,
em meio a um vasto campo de cevada,
onde seres de outros planetas,
com seus olhos azuis-safira,
desenham segredos
sobre a terra.

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# Leia também:
AQUELES HOMENS NUS CONTRA E LEI E O PROGRESSO
- CHÃO DE DOCES DEMORAS [Webston Moura]
- SANTO ANTÃO DO DESERTO [Webston Moura]
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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

AQUELES HOMENS NUS CONTRA E LEI E O PROGRESSO* (Webston Moura)




A lei é um deus por sobre as águas,
praga sutil e eficaz.

A lei é um primor, um engenho depurado;
põe sobre índios o peso de hidrelétricas.

Antes, porém, a bem de outros progressos,
põe fazendeiros e agrotóxicos,
mineradores & etceteras.

A lei não fala jê nem guarani
nem coisa alguma que escute peixe,
vento ou chão.

A lei é cinza,
porque seu homem
(o que lhe ilumina)
é branco por fora
e impossível por dentro.

A lei é desabitada de índios,
mas repleta de fome.




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* NOTA DE EXPLICAÇÃO CIDADÃ:

Preocupa-me muito o que está acontecendo em nosso país, especialmente porque enquanto muitos dizem termos um governo central (federal) progressista, formado em sua base por históricos partidos de esquerda que sempre se disseram sensíveis às causas do povo, percebemos ser para tal governo e para seus parceiros nos negócios que os povos indígenas significam um problema e não povos que merecem o nosso respeito e a nossa solidariedade, até para que sejam efetivamente protegidos. Vejo apoio popular real em outras lutas, mas nessa nem tanto. E se dependermos da consciência de muitos “esquerdistas”, especialmente os dos partidos da base do governo federal, estaremos  condenando os povos indígenas a um terrível destino. Como olharemos para nós mesmos depois?

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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos. E considera importante que o visitante, homem ou mulher, acesse os sítios Povos Indígenas do BrasilConselho Indigenista MissionárioInstituto Socioambiental (ISA)Movimento Xingu Vivo e o documento Povos Indígenas: manifesto contra os decretos de extermínio.

ANTE A FLOR E A ESTRELA EXPLODIDAS DE DELÍCIAS (Webston Moura)



Num instante, uma flor (Créditos: Ana Flávia Junqueira)


A têmpera que produz a miúda flor
e o plasma assombroso das estrelas
não produzem o ódio.

É forte sua voz divina,
seu abril de cavalos suados
sobre o sexo de cítaras mil.

Sou humano e lhe posso,
mas só em remanescentes e ideias,
que sua essência,
de tão própria delícia,
não ousaria amar-me
senão por pena.

Sou apenas humano,
imensamente apenas.




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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.

domingo, 21 de abril de 2013

LÍRICAS ESTELARES, ACRIMÔNIA E OLOR DE MADEIRA VERDE (Webston Moura)


Passiflora citrina - User: BotBln


A tarde é um cachorro moroso,
madeira descansada na austera vida
de uma antiga cadeira enegrecida
               no fundo de um alpendre.

Coalho de leveduras,
arrasta-se paciente em músicas
de sais-gemas, goiabeiras, mormaços,
telhas coloniais, calcário.

Ao largo, o canto de sílica na acrimônia das cigarras,
bravura desesperada de luz e sigilos;
                                      acaju, pó, tempo.

(Forte, a natureza é o que há).

Em súbitos,
azulões, rolinhas caldo-de-feijão,
pica-paus, anuns, sabiás, golinhas:
             vidas que sagram-se ao voo,
                               inevitáveis, alertas.

Não muito longe um homem dispõe de um esmeril
e tange a reza definitiva nas bordas de objetos quase crus.
A máquina chora sua monotonia acérrima,
como a dizer da agonia oculta dos braços
que lhe acionam o furor.

Em derredor, livres,
os azuis aveludados de borboletas leves
                           compõem líricas estelares
― sem o consentimento de qualquer dinheiro.




* Leia também OS MOSAICOS DE W.J. SOLHA
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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.


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INSINUAÇÃO [Webston Moura]

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