Ler é um prazer invulgar e um ato de cidadania.
E se pensarmos isto num país onde existe a carência de 130 mil bibliotecas públicas,
além de outros desníveis nas áreas de educação e cultura, então ler é até um
ato revolucionário, uma subversão. Se tal ato é um prazer, e desse prazer consta
a suave alegria vivida em diferentes gradações, melhor ainda o será. E é assim
que dou fé de valia (com alegria) ao fiador (tecelão) de palavras Nilto Maciel, cearense de Baturité,
mestre específico da variedade literária do conto e provocador tenaz em sua
crítica literária.
Como todo bom contador de histórias, o óbvio é
que sobre a sua própria (recortes, ao menos) ele seja fiel a um bom trabalho.
Assim é que nos dá a alegria de um livro de memórias, onde desnuda ao menos um
pouco de seu cotidiano de escritor no decorrer dos anos.
Em Menos
vivi do que fiei palavras: diários de literatura (Penalux, 2012), Nilto
abre ao público sua falas secretas (íntimas) num relato autobiográfico acerca
de suas batalhas entre livros, sonhos, alegrias e desilusões. Não se trata,
entretanto, de algo como um relatório formal, mas, sim, de crônicas cerzidas
com a graça, a “eletricidade” e a ironia que lhe são próprias já noutros
escritos, mesmo quando tratam de assuntos complexos e até tristes, pesarosos.
São 43 crônicas que vão de 1986 a 1992, onde o
foco principal já está claro a partir do subtítulo (“diários de literatura”),
não sendo, pois, uma autobiografia factual-cronológica “pura e simples”, mas as
impressões e lembranças de um escritor com seus inevitáveis afetos de homem, de
pessoa, a parecer até uma ampla oralidade dada em mil e uma noites a curiosos amigos,
unidos todos sob um céu acolhedor e em redor de uma agradável fogueira num
vilarejo imaginário de um país distante.
Ao leitor interessado numa leitura leve, cheia
de momentos comoventes e outros até engraçados, eis um livro muito
recomendável. Como documento de parte da vida de um escritor que não consta dos
catálogos das grandes editoras brasileiras, embora, por seu valor, o pudesse,
vale ler pelo respeito e pelo carinho que podemos e devemos ter em defesa
desses nossos conterrâneos nordestinos, bravos protagonistas de feitos por
demais louváveis, ainda mais em campos muitas vezes desamparados e solitários
como esse da literatura. Quem sabe se para quem ainda não leu Nilto Maciel este
livro não seja exatamente a porta de entrada? Quem sabe? Fica então a minha
humilde e afetuosa sugestão.
SERVIÇO:
Menos vivi do que fiei palavras (Crônicas)
Nilto Maciel
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Webston Moura [editor de Kaya] é poeta, autor de Encontros imprecisos: insinuações poéticas (Imprece, 2006). Mantém o blog Arcanos Grávidos.