Man in the Night - Ryszard Wasko |
O
lixo inundava as ruas. Um e outro transeunte ia e vinha, passo lento, olhos
enfiados nas vitrines. Nos estádios, porém, não cabia sequer mais um espectador.
Repletos também os bares. Falava-se de tudo, menos da fumaça que empestou o ar
na parte da manhã. Mais cedo ainda, uma pequena explosão, lamentada pelas
autoridades, matou alguns operários desclassificados que transitavam pelas
proximidades da fábrica. Durante todo o dia a polícia esteve de prontidão nas
ruas. À noite, ao ranger das camas e ao gemer dos casais, a catástrofe do
começo do dia virou pura invenção de bolchevistas.
Duzentos e poucos
dias depois nasceu Amando, filho de um dos muitos ordeiros patriotas que no dia
da explosão não viu a pretensa tragédia, nem dela ouviu falar e muito menos se
ocupou da tão deslavada peta dos derrotistas. Apenas fez questão de pagar uma
garrafa de cachaça para uns desconhecidos que chegaram com violão ao Bar Nabé
naquele primeiro de maio de muita bebedeira, futebol e cama.
Nos dias de folga, o pai de Amando
se metia nos bares e bastava ouvir samba e violão para cair num choro de corno
manso. Dava até o último centavo ao cantor ou tocador. Terminavam abraçados, feito
velhos amigos.
Por essa mesma época nasceram
outras criaturinhas defeituosas, semelhantes a pequenos monstros. Uma
verdadeira peste o aparecimento daqueles minúsculos bichinhos. Médicos não
relutaram em dar cabo de alguns. As próprias enfermeiras se recusaram a pegar
nos “porquinhos”. Alguns pais concordaram desde logo com as explicações
científicas dadas pelos obstetras. Assim mesmo, escapou da fúria mais de uma
centena desses bebês.
Como se desenvolveram, ninguém
sabe. Para os especialistas, eles não resistiriam um dia. No entanto, muitos
passaram de uma semana, outros viveram meses, e poucos, alguns anos.
Os que chegaram à idade trágica
dos doze anos, tinha-se certeza, não morreriam mais de incapacidade de viver.
Viveriam como qualquer ser humano. Talvez cinqüenta anos. Em compensação,
seriam um tormento social por ocasião do décimo-segundo aniversário da primeira
explosão. Estádios e bares repletos de homens magros e pálidos, ruas sujas e
quietas.
Primeiro os monstrinhos de doze
anos, comandados por Amando, se armaram de archotes e bombas caseiras e
incendiaram a mansão do Dr. Negawsklov, Presidente da Usina Nuclear de
Schoonenborch. À chegada dos soldados, nada mais restava do imenso casarão. E os
curiosos que admiravam a fogueira nem tiveram tempo de fugir.
Os monstrinhos de lá partiram para
a própria Usina, onde morreram carbonizados, vítimas de sua monstruosidade
sanguinária. O incêndio se alastrou por toda a área circunvizinha num diâmetro
aproximado de mil quilômetros, causando a morte de milhares de pessoas.
* Conto extraído de Contos Reunidos - Vol. II (2010)
* Leia também: DA NOITE PARA DIA
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Nilto Maciel é natural de Baturité, Ceará, autor de Itinerário (Contos, 1974), Tempos de Mula Preta (Contos, 1981), A Guerra da Donzela (Novela, 1982), Punhalzinho Cravado de Ódio (contos, 1986), Estaca Zero (Romance, 1987), Os Guerreiros de Monte-Mor (Romance, 1988), O Cabra que Virou Bode (Romance, 1991), As insolentes Patas do Cão (Contos, 1991), dentre outros. Mantém o blog Literatura sem fronteiras