O
sorridente abaixo é o leve, irônico, profundo escritor judeu porto-alegrense
Moacyr Scliar, falecido em 2011, aos 74 anos e 60 livros, Prêmio Casa de Las
Americas, Prêmio da APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte –, detentor de três Jabutis, e que tem “O
Centauro no Jardim” na lista dos cem melhores livros de temática judaica dos
últimos duzentos anos, feita pelo National
Yiddish Book Center:
E
este é um de seus romances, que li com prazer enorme:
Freud
atribuía a existência da expressiva quantidade de judeus brilhantes – Einsten,
Kafka, Trotsky, Gershwin, Sarah Bernhard, etc – à cultura repressiva de que são
vítimas, demasiado teocêntrica. Não por acaso, Moacyr Scliar é primo de outro
grande artista, o pintor Carlos Scliar, também gaúcho (de Santa Maria), de
cujas naturezas-mortas gosto muitíssimo:
Mas
não sei se Freud estava certo, nessa observação, pois se Marx era judeu, os
Irmãos Marx – Groucho, Arpo, Chico e Zeppo – também eram. E eu vivia às
gargalhadas com o maestro José Alberto Kaplan, para quem escrevi os muito
sérios versos da Cantata pra Alagamar...
Kaplan e Solha |
...
além do que assisti – quando trabalhava em publicidade – a um excelente
documentário sobre o fino humor judeu na propaganda européia e americana, e me
diverti – muito – com este A Mulher que
Escreveu a Bíblia, do Moacyr Scliar. Não sei como ainda não fizeram um
filme baseado nele, pois – à frente de uma narrativa grandiosa como pano de
fundo, a do Pentateuco - sua inesperada narradora – a tal escriba – é tão
genial quão sensual e... feíssima. Gozadíssima. Pensem na Zezé Macedo, a grande
parceira de Oscarito...
Zezé Macedo |
...
com um corpo assim...
...
e a cabeça a mil, pois é o único ser
humano com vagina, na bíblica Israel, que sabe ler... e escrever! Por sinal,
muitíssimo bem.
O
autor, judeu, não respeita o centro vital de seu povo, a Bíblia? Sim, respeita,
como todo escritor respeita um grande texto. No mais, domina-o a vontade de brincar em cima do Livro,
centralizando sua estória na paixão dessa mulher horrorosa pelo belo rei
Salomão (de quem se torna uma das setecentas
esposas, fora as trezentas concubinas
que ele tinha... e de que já não dava conta). Apaixona-se pelo belo rei... que
– depois de avaliar o corpão da recém-chegada – pede que ela retire o véu do
rosto... e toma um susto. A coitada está subindo pelas paredes, com um tesão
sem tamanho, mas seu obscuro objeto de
desejo, quando ela o tem à sua disposição (depois de uma revolta que levantara
no harém pelo direito de pelo menos uma trepada)... broxa.
É
de rolar de rir a versão que a escritora – ao ser obrigada por Sua Majestade a
escrever o Gênesis – faz da história
de Adão e Eva, criando um casal entusiasmadíssimo
pela descoberta do sexo. Mais ainda quando o chefe dos anciãos que o rei
nomeara como seus censores, abre a roupa ante a autora e lhe mostra o efeito
brutal do texto que ela criara, efeito notável, depois de anos de impotência.
Caramba,
a vontade é a de contar a história toda, mas fico por aqui, com uma comparação:
esse romance tem muito do estilo Monty Python, o grupo inglês que produziu –
entre outros grandes sucessos - o filme
A Vida de Brian, "O filme é controverso devido a sua combinação de comédia e de temas religiosos" |
...
que começa com os reis magos entregando o ouro, incenso e mirra ao
recém-nascido da manjedoura vizinha à de Jesus, engano de que resulta grossa
pancadaria para que se repassem os presentes pra seu verdadeiro destinatário.
A Mulher que Escreveu a Bíblia é
ótimo pra quem conhece as Escrituras. Melhor ainda para quem nunca as leu e nem
lê porra nenhuma.
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NOTA:
* A segunda pintura do Carlos Scliar e a imagem na Megan Fox são substitutos às imagens originais que o autor dispôs no livro, já que os editores de Kaya não conseguiram as originais mesmo.
W. J. SOLHA [1941] nasceu em Sorocaba-SP, tendo, desde 1962, se radicado em João Pessoa-PB. É autor de vasta e premiada obra literária: Prêmio Fernando Chinaglia (1974), Prêmio INL (1988), Prêmio João Cabral de Melo Neto (UBE, 2005), Prêmio Graciliano Ramos (UBE, 2006), entre outros. É também autor teatral, ator e artista plástico. No cinema, participou, dentre outros, dos filmes: O salário da morte (1971); A canga (2001); Bezerra de Menezes: o diário de um espírito (2008), O som ao redor (2012); Era uma vez eu, Verônica (2012 – prêmio de melhor ator coadjuvante do Festival de Brasília/2012). Publicou, dentre outras obras: [prosa] Israel Rêmora (Record, 1975); A Canga (Moderna, 1978; Mercado Aberto, 1984); A Verdadeira História de Jesus (Ática, 1979); A Batalha de Oliveiros (Itatiaia, 1989); História Universal da Angústia(Bertand, 2005); Relato de Prócula (A Girafa, 2009) [poesia] Trigal com Corvos (Palimage-Imprell, 2004);Marco do Mundo (Ideia, 2012); Esse é o Homem (Ideia, 2013).