prontas as mãos
o dia parou a sua lenta marcha
o dia parou a sua lenta marcha
de mergulhar na noite.
As mãos criam na água
As mãos criam na água
uma pele nova
panos brancos
panos brancos
uma panela a ferver
mais a faca de cortar
Uma dor fina
Uma dor fina
a marcar os intervalos
de tempo
vinte cabaças de leite
que o vento trabalha
manteiga
a lua pousada na pedra de afiar
Uma mulher oferece à noite
a lua pousada na pedra de afiar
Uma mulher oferece à noite
o silêncio aberto
de um grito
sem som nem gesto
apenas o silêncio
aberto assim ao grito
solto ao intervalo das
lágrimas
As velhas desfiam uma
lenta memória
que acende a noite de
palavras
depois aquecem as mãos
de semear fogueiras
Uma mulher arde
no fogo de uma dor fria
igual a todas as dores
maior que todas as
dores.
Esta mulher arde
no meio da noite
perdida
colhendo o rio
enquanto as crianças
dormem
seus pequenos sonhos de
leite.
Aquela mulher que rasga
a noite
com o seu canto de
espera
não canta
Abre a boca
e solta os pássaros
que lhe povoam a
garganta
.........................................
.........................................
Referência do poema: TAVARES, Paula. Amargos como os frutos: poesia reunida. Rio de Janeiro: Pallas, 2011.
...................................
# LEIA TAMBÉM:
PAULA TAVARES [1952 | Angola] Nasceu em Huíla, sul de Angola. É historiadora com doutoramento em história e antropologia. Obras: Ritos de passagem [poesia, 1985], O sangue da buganvília [crônicas, 1998], O lago da lua [poesia, 1999], Dizes-me coisas amargas como os frutos [poesia, 2001], Ex-votos [poesia, 2003], A cabeça de Salomé [crônicas, 2004], Os olhos do homem que chorava no rio [contos, 2005- em parceria com Jorge Marmelo], Manual para amantes despudorados [poesia, 2007], Como veias finas na terra [poesia, 2010]. Amargos como os frutos: poesia reunida, publicado no Brasil em 2011 [editora Pallas], reúne sua obra poética até então.