Essa história
de Príncipe Encantado vem me cansando ultimamente. Não
que eu
não goste de ser
viril, corajoso,
íntegro e belo.
Nada disso. Mas
já perdi as contas
das princesas igualmente encantadas que conheci, e que
me decepcionaram logo
após a promessa do viveram felizes
para sempre.
A separação, nem
sempre amigável,
ocorria após um
brevíssimo período de convivência.
Antes que
me chamem de exigente,
vamos aos fatos.
A primeira
que me
encantou foi a chamada Bela Adormecida. Achei magnífica
a ideia de ela adormecer,
na flor da juventude,
e me aguardar
até o momento
em que
eu decidisse me
aventurar à sua
procura. Nunca
imaginei, entretanto, que ela
quisesse continuar a dormir.
Quando eu
a tentava despertar para
celebrar nosso
casamento de conto
de fadas, o seu
mau humor
era insuportável!
E o mau-hálito, então? Acordava toda amassada, estava sempre
morrendo de sono e tinha
sempre uma desculpa
para não ir aos bailes do reino comigo.
Desisti.
Em busca
de uma mulher mais
ativa e dinâmica,
encontrei Cinderela! Acostumada ao serviço
pesado, julguei que daria conta
de toda a limpeza
do meu palácio.
Depois de jogar
na minha cara
tudo o que
enfrentou para ir ao baile, ainda
vivia cercada de ratos,
seus únicos
amigos, segundo
ela. Resquícios
da pobreza, talvez.
O que mais
eu podia fazer?
O golpe fatal,
entretanto, veio
quando ela,
numa briga, atirou o sapatinho de cristal no meu rosto. Até hoje tenho a cicatriz.
Voltou para o borralho!
Um dia,
passeando no bosque, avistei Branca de Neve.
Uma das mais belas, tenho de reconhecer. Beleza, contudo, mantida graças
a uma rigorosa dieta.
A anoréxica só
queria saber de comer maçã!... E aqueles
anõezinhos, sempre por
perto, enchendo o saco
com aquelas musiquinhas irritantes. Até peguei uma gripe de um que
espirrava o tempo todo.
Tomei uma decisão:
só me
casaria novamente
se encontrasse uma princesa bela,
prendada e... Sem amigos ou família. Foi
assim que
Rapunzel entrou na minha vida. Morava sozinha
numa torre. Casa própria. Independente. Perfeita. O único
senão era
ter de subir por aqueles cabelos. Em outros momentos,
porém, eles
eram extremamente convenientes.
Em nossas tórridas noites
de amor, fizemos verdadeiros malabarismos com
aquela cabeleira. Quando
a trouxe para o castelo, tudo mudou. Uma vez,
reclamei do tempo que
ela perdia lavando, secando e trançando
aquelas madeixas. Sabem o que ela fez?
Cortou tudo. Quase
não a reconheci, ao voltar
de uma caçada. Descobri que amava os cabelos, não ela.
Desde então,
sou um celibatário
convicto, totalmente cético
em relação
ao amor e à vida
de conto de fadas.
Nunca mais
quero olhar... Espera... Quem é aquela deusa linda
passando ali? Ei, princesa! Posso falar com você?
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Tatiana Alves vive no Rio de Janeiro, cidade onde nasceu. É doutora em Letras e leciona Literatura. Recebeu mais de 350 premiações em concursos literários e participou de cerca de 300 coletâneas. É autora das obras: O legado de Cronos [contos, 2005]; D’Além mar: estudos de literatura portuguesa [crítica literário, 2008]; Harpoesia [poesia, 2009]; Silulacrum [contos, 2010]; Festim [contos, 2011]; Além do arco-íris [infantil, 2011]; Sem fantasia [crônicas, 2012].