Uma
terra não é seu duro chão.
Mais
que ele
(e ainda que o sendo),
ela
é seu avesso:
a brandura que o varre,
a carícia que o nudo pé
testemunha.
Mais
que seu duro chão,
uma
terra é um canto agreste
desatado
dentro da memória.
Uma
terra é caminho –
aberto-mundo
porteira
estrada
passo
ido
poeira
ficada
olho
marejado por dentro
soluço
de ir
abraço
de chegar.
Uma
terra é destino –
esse
indecifrável deus
que
a cria-homem
(tão só)
fabrica.
Uma terra é a paisagem do nome seu.
E
porque toda paisagem
é
engendro do homem,
toda
terra é seu fazer:
o duro cultivo de seu suor,
o paciente fruto de sua luta,
o sempre pouco
(mas tão necessário)
sonhado amanhã
que
o leva
terra-além.
Uma
terra é a flor agreste dos que a teimam.
(Teimar
é sina
sem remédio desse nosso existir,
ouvi de
um homem
teimante da vida,
mão calosa a testemunhar.)
[Foto: Rogaciano Santos] |
II. AS GENTES
O
homem é a sina da terra.
Tudo
que nela há
é
testemunho de sua habitação
(esse
exercício de sentir
e
lavrar memória,
habitar).
Tudo
quanto nela
(na terra)
há
é
humano fiar;
tecedura
de sua
(do homem)
necessidade
de
urdir
seus dias
sobre o mundo.
Os
dias –
esses
que temos
(que
nos fazem)
enquanto não nos vem pesar
o cego trançado da memória
(essa igreja que erguemos
ao tempo –
deus paciente
que nos consume
e
definha).
III. A LUTA
Mas
existir é agora –
seu
exercício tenaz
é
suor e luta.
Viver é sem depois.
Viver
é aqui estar;
assentar
passo
nestas
ruas do mundo,
dizer
ao chão
a
teima de nossos passos.
Viver
é
preparar os frutos
de
nosso sustento,
arar
o solo
de
nossa necessidade.
É carpintaria de saber difícil,
viver:
a coisa de que se faz
não se doa,
antes nos confronta.
Viver é travessia:
encontro
ida
regresso
partida.
encontro
ida
regresso
partida.
E
é só isto
o
que há:
o viver contundente
dessas gentes
que aqui estão
e passarão.
DÉRCIO BRAÚNA [1979], escrevente de coisas sentintes, é filho das terras cearenses de Limoeiro do Norte, cria de um pequeno lugar chamado Córrego de Areia, onde mãos amanham barro, cultivam o agridoce e espinhoso sumo para sustendo de suas necessidades, lavram a terra e a vida. Leitor tardio, é ainda faminto desse ato de fazer conversar pensamentos, imaginações. Apaixonou-se, já há tempo, por outras águas e terras, por outros olhares sobre o viver, por outras "imaginografias" (africanas, moçambicanas), sobre as quais tem andado a debruçar-se. Deu escritura a sentires e pensares: [poesia] O pensador do jardim dos ossos (Expressão Gráfica, 2005), A selvagem língua do coração das coisas (Realce editora, 2006), Metal sem húmus (7Letras, 2008), A ARIDEZ LAVRADA PELA CARNE DISTO (Confraria do Vento, 2015); [contos] Como um cão que sonha a noite só (7Letras, 2010); [história] Uma nação entre dois mundos: questões pós-coloniais moçambicanas na obra de Mia Couto, Nyumba-Kaya - Mia Couto e a delicada escrevência da Nação Moçambicana (Alameda Editorial, 2014). Consumido por sua paixão, segue remoendo na reflexão os fios que cruzam, os nós que emaranham a literatura e a história, sobretudo nos ditos tempos e espaços pós-coloniais. Segue também escrevinhando, espiando seu tempo, fabricando a ordinária e necessária vida que temos. Dos tantos dizeres que hão sido ditos, gosta de partilhar estes dois: 1) "A escrita não pode esquecer a infelicidade de onde vem a sua necessidade", este de um pensador francês (Michel de Certeau de seu nome); 2) "O mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer", este duma camponesa portuguesa analfabeta (Josefa Caixinha de seu nome, avó de um senhor escrevente, de nome José Saramago). Quiçá estes gostos que tem ajudem a compreender porque entenda que escrever é desassosegar. Seu website é este [http://www.derciobrauna.com/] e seu perfil no Facebook é este [https://pt-br.facebook.com/kayarevistaliteraria].
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