Partir.
Como há homens-hienas e homens-panteras, eu seria
um homem-judeu
um homem-cafre
um homem-hindu-de-Calcutá
um homem-de-Harlem-que-não-vota
35.
o homem-fome, o homem-insulto, o homem-tortura
que se podia a qualquer momento agarrar, espancar, matar – perfeitamente matar
– sem ter que prestar contas a ninguém sem ter que pedir desculpas a ninguém
39.
Partir. Meu coração estalava de generosidades
enfáticas. Partir... eu voltaria liso e jovem a este país meu e diria a este
país cujo limo entra na composição da minha carne: “Andei por muito tempo
errante e volto para a hediondez desertada das vossas chagas”.
Eu voltaria a este país meu e lhe diria: “Abraçai-me sem temor... E se não sei senão falar, é por vós que falarei.”
E eu lhe diria ainda:
“Minha boca será a boca das desgraças que não têm boca, minha voz, a liberdade daquelas que se abatem no calabouço do desespero.”
E ao voltar diria a mim mesmo:
“E sobretudo meu corpo assim como minha alma, livrai-vos de cruzar os braços na atitude estéril do espectador, porque a vida não é um espetáculo, um mar de dores não é um proscênio e um homem que grita não é um urso que dança...”
173.
E está de pé a negrada
174.
Eu voltaria a este país meu e lhe diria: “Abraçai-me sem temor... E se não sei senão falar, é por vós que falarei.”
E eu lhe diria ainda:
“Minha boca será a boca das desgraças que não têm boca, minha voz, a liberdade daquelas que se abatem no calabouço do desespero.”
E ao voltar diria a mim mesmo:
“E sobretudo meu corpo assim como minha alma, livrai-vos de cruzar os braços na atitude estéril do espectador, porque a vida não é um espetáculo, um mar de dores não é um proscênio e um homem que grita não é um urso que dança...”
173.
E está de pé a negrada
174.
a negrada arriada
inesperadamente de pé
de pé no porão
de pé nas cabines
de pé na ponte
de pé ao vento
de pé sob o sol
de pé no sangue
de pé
e
livre
[...]
175.
de pé
e
livre
176.
e o navio lustral avança impávido sobre as águas
desmoronadas
E apodreçam agora as marcas da nossa ignomínia!
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Referência dos textos: CÉSAIRE, Aimé. Diário de um retorno ao país natal. Trad. Lilian Pestre de Almeida. São Paulo: Edusp, 2012.
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Referência dos textos: CÉSAIRE, Aimé. Diário de um retorno ao país natal. Trad. Lilian Pestre de Almeida. São Paulo: Edusp, 2012.
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