E, no entanto, a cruz é
a menor das promessas.
Oh, sim, lembramo-nos
de que ignorávamos
o que se chama o
domicílio, o valor,
o opúsculo, esta ou
aquela agrura
mais do que matar o
irmão. E de como
serve uma casa morta, o
irmão morto,
a intensidade ou tal
coisa
mesmo intensa,
intensíssima.
De resto, há quanto tempo, oh
De resto, há quanto tempo, oh
há quanto tempo não
sabemos falar
do passado? Certamente,
o rigor, a
infidelidade, a tensão –
espantos do último
trimestre, esta
quase arte funerária
com que elevamos as vozes
não ignoram que nos
vendemos
por outro contágio:
esse gosto
de ser verdadeiro, ou
tal juro.
Porém, ontem, mas vede bem, ontem,
Porém, ontem, mas vede bem, ontem,
omitimos,
propositadamente, o que
sabemos da
perplexidade. Mas quem sabe,
quem sabe se tal será
legítimo ainda?
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Talvez não tenha chegado ainda o tempo.
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Talvez não tenha chegado ainda o tempo.
Porém, há muito tempo
já que devia ter vindo.
Por isso estamos
inquietos.
Porquanto esta raça,
sentada sobre as suas fezes,
não deplora tamanha
ausência de peso.
E estes homens levam
carne santa na aba dos seus fatos,
e com a aba tocam no
pão, ou no guisado,
ou no vinho, ou no
azeite, ou em outros alimentos,
mas decerto a mão, para
edificar, sairá
da amarga ferida da
largura do mundo,
sobre todo o trabalho
dos seus sepulcros,
na borda da
santificação,
e, como em Dostoiewski,
nenhuma vida poderá
prescindir da piedade.
Tão pouco se poderão vestir com os seus umbigos,
Tão pouco se poderão vestir com os seus umbigos,
ou cobrir com as
vísceras frescas das adivinhações.
Porquanto o fruto
principal da alma é a verdade,
pela qual todas as
coisas estão na sua firmeza.
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Não viemos para sagrar estas dúvidas:
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Não viemos para sagrar estas dúvidas:
o tempo gera os seus
próprios haveres.
Mas, se dizemos que
trouxemos os dons e os selos,
é porque viemos para a
vida e para a morte,
para o exercício
místico da sabedoria,
da maturidade e da
solidão,
esses enigmas densos
que a probabilidade retalha
sob os nossos pés para
nos falar de cidadania,
tal todo o homem é essa
Babel que os deuses receiam,
como possuímos todas as
coisas pela sua metade divina
e facto, sono ou
sangue,
nada nos conduz à fonte
dos presságios.
E aguardamos os fados
com a lucidez
escolhida no evangelho
de João,
porque todas estas
fugas são maiores que a natureza,
todas estas coisas são
espessas
e maiores que o nosso
entendimento,
e não vimos ontem, não
vemos hoje, não veremos amanhã
porque, tal como há
vida, há vítimas, e testemunhamos
e vendemo-nos entre dois pedidos de
extrema-unção,
porque tal é o sentido
desta mão que melhora
e permanecemos por
muito tempo os únicos pretendentes
a este reino que
hospeda a assiduidade.
E, assim, em sua ira e sua farsa,
E, assim, em sua ira e sua farsa,
pune-nos a longevidade
com a sua vara
de oiro bento e trigo
maravilhoso.
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Resumimos: estas ânsias anunciam pactos propícios.
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Resumimos: estas ânsias anunciam pactos propícios.
Eis por que hemos
insistido em discorrer de tal sorte.
Ah a memória é esse
alvo desviado de deus –
coisa geral, coisa
relativa, coisa dúbia,
mas coisa, decerto,
paga com os exemplos e o tumulto,
porém, como ver,
amanhã, o que, hoje, não pertence
nem a esse testemunho
nem a esse grão
distribuído aos
mendigos das nossas portas?
Vivemos desse crédito,
sugere-se,
e desse dom de negar
que ouvimos nem
a voz do que clama no
deserto
e nos absolve
porque a confusão enche
a nossa cabeça
e a longevidade,
qualquer que seja o mundo,
é a nossa segunda
obsessão,
e constatar que não
somos explicáveis
ou lembrar que
perecemos
provoca essa lágrima, a
primeira
desde há muito tempo,
de Anteu.
É esse tormento ou essa
luz,
que divide ao meio a
verdade,
que nos assiste para
falar de predestinação?
[p. 115]
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# LEIA TAMBÉM:
* DIÁRIO DE UM RETORNO AO PAÍS NATAL [Fragmentos] [Aimé Césaire]
* ESSE É O HOMEM [breves excertos] (W.J. Solha)
* MARCO DO MUNDO [breves excertos] (W.J. Solha)
* TRIGAL COM CORVOS [breves excertos] [W.J. Solha]
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João Manuel Varela [João Vário] [1937-2007 | Cabo Verde], nasceu no Mindelo, em Cabo Verde. Estudou medicina em Coimbra e Lisboa. Exilou-se na Bélgica, onde viveu por 33 anos. Estreou em 1958, com o livro Horas sem carne (que viria a excluir da sua obra). Em 1966 publicou Exemplo Geral, primeiro volume de uma série de outros nove exemplos. Tem obras escritas sob os pseudônimos Timóteo Tio Tiofe e G. T. Didial. Voltou a Cabo Verde em 1998, falecendo aí em 2007.
[p. 115]
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# Referência
dos textos: VÁRIO, João. Exemplos. Lisboa: Tinta da China, 2013.
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# LEIA TAMBÉM:
* DIÁRIO DE UM RETORNO AO PAÍS NATAL [Fragmentos] [Aimé Césaire]
* ESSE É O HOMEM [breves excertos] (W.J. Solha)
* MARCO DO MUNDO [breves excertos] (W.J. Solha)
* TRIGAL COM CORVOS [breves excertos] [W.J. Solha]
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João Manuel Varela [João Vário] [1937-2007 | Cabo Verde], nasceu no Mindelo, em Cabo Verde. Estudou medicina em Coimbra e Lisboa. Exilou-se na Bélgica, onde viveu por 33 anos. Estreou em 1958, com o livro Horas sem carne (que viria a excluir da sua obra). Em 1966 publicou Exemplo Geral, primeiro volume de uma série de outros nove exemplos. Tem obras escritas sob os pseudônimos Timóteo Tio Tiofe e G. T. Didial. Voltou a Cabo Verde em 1998, falecendo aí em 2007.